Fonte: G1
Decisão proíbe a aplicação de produtos com fipronil em folhas e flores, para proteger insetos polinizadores. Agricultores ainda podem usar o componente ativo no solo.
Desde 2 de janeiro, o agrotóxico fipronil está suspenso para aplicação em folhas e flores, para proteger insetos polinizadores, como as abelhas. A proibição veio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
O fipronil é um componente usado em inseticidas, produtos contra cupins e formigas e, apesar da restrição no campo, pode ainda ser encontrado nos supermercados em produtos do cotidiano, como no controle de carrapato e pulgas nos pets.
Na lavoura, ele pode ser usado em diversos tipos de culturas, mas é mais popular em plantios de soja, cana-de-açúcar e algodão.
O Brasil não é o primeiro país a dar um passo para trás em relação ao fipronil. O Uruguai foi pioneiro e baniu o agrotóxico em 2009. Depois vieram a União Europeia (2013), o Vietnã (2019), a Costa Rica (2022) e, no ano passado, a Colômbia. A África do Sul é outro país onde o seu uso é proibido.
Segundo o Ibama, a razão da medida cautelar é que "as avaliações já realizadas indicam a potencial existência de risco ambiental inaceitável às abelhas, decorrente da deriva da pulverização, para todos os produtos à base de fipronil com indicação de uso via aplicação foliar", ou seja, em folhas.
O comunicado da instituição determina ainda que as empresas que tenham o registro de agrotóxicos com fipronil publiquem um comunicado de advertência sobre o componente ativo em até 90 dias.
O fipronil, que ganhou a fama de "matador de abelhas", também está sendo reavaliado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), após ser identificado como um produto com "potenciais riscos à saúde não identificados no momento da concessão de registro", explicou o órgão em nota ao g1.
Contudo, a agência alega que a reavaliação não foi feita ainda porque foram selecionados para análise outros produtos com maior prioridade na matriz de riscos utilizada pela instituição.
O fipronil é o principal componente ativo para controlar insetos sociais, aqueles que formam colônias, como formigueiros e cupinzeiros, aponta Roberto Araújo, diretor de Defensivos Químicos na CropLife Brasil e membro do comitê-executivo da Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (A.B.E.L.H.A.).
Para matar esses insetos, o fipronil causa um bloqueio nos canais nervosos deles. Então, os insetos são hiperestimulados e morrem, explica Araújo.
Existem duas maneiras de se aplicar o fipronil na lavoura: terrestre (na forma sólida, diretamente no solo) e aérea (forma líquida, sobre folhas e flores), que é espirrado em forma líquida nas folhas e flores, explica Osmar Malaspina, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pesquisador sobre o efeito do fipronil nas abelhas.
Na forma aérea, o agrotóxico pode ser levado para lugares que não precisam do controle de pragas, matando as abelhas do local, aponta. Foi este modelo o proibido pelo Ibama.
Malaspina explica que, até 2011, a empresa desenvolvedora do produto possuía a sua patente. Na época, o agrotóxico era usado apenas para controle de insetos no solo nos cultivos de cana-de-açúcar e para controlar pragas em sementes, sem ser aplicado no campo na sua forma líquida e, portanto, sem afetar as abelhas.
Com a queda da patente, outras empresas começaram a comercializar o fipronil e em outras formas, dando início à sua aplicação em folhas e flores de forma aérea, contaminando as abelhas.
Foi aí que o fipronil se tornou o agrotóxico que mais mata abelhas, diz o pesquisador.
Malaspina fez parte de um estudo feito em uma parceria da Unesp, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), que monitorou as ocorrências de mortes massivas de abelhas no estado de São Paulo. O resultado, publicado em 2017, apontou o fipronil em 70% dos casos.
Os dados se referem apenas a mortes de abelhas criadas por apicultores, não foi possível ainda desenvolver uma análise dos insetos livres na natureza, explica o pesquisador.
Por causa disso, mesmo antes dessa decisão mais recente do Ibama, já era proibido aplicar fipronil durante a época das floradas, para evitar a contaminação das abelhas, que são importantes colaboradoras na produção de alimentos.
Mais de 70% da polinização das espécies de plantas na produção de alimentos é feita por abelhas, diz Malaspina. É o caso, por exemplo, da maçã, do maracujá e do café.
Por isso, a agricultura e a apicultura são atividades que se complementam, aponta Araújo, da CropLife Brasil. Com o uso de abelhas nas lavouras, a produtividade e a qualidade dos cultivos aumentam, explica.
O fipronil tem seus efeitos estudados desde 2012, mas só agora o Ibama obteve dados satisfatórios para tomar a medida, diz Malaspina.
Com a decisão, o fipronil não está proibido nas lavouras, mas fica proibida a sua aplicação nas folhas e nas flores, portanto ele ainda pode ser aplicado nas sementes e no solo.
Mas isto não significa que todos os problemas estão resolvidos, diz o professor: "Falam: "Está lá no solo, não vai matar abelha". Mas vai chover em cima, vai contaminar o rio lá na frente, vai matar peixe", diz.
Ainda assim, para novas medidas, seria preciso mais pesquisas sobre as consequências, aponta.
Para Araújo, diretor de Defensivos Químicos na CropLife Brasil, a surpresa na medida cautelar do Ibama é a suspensão imediata do uso do produto na aplicação foliar.
"Esse tipo de coisa traz uma insegurança jurídica, traz aspectos que afetam economicamente as indústrias, os revendedores e os próprios agricultores que fazem a utilização dessa tecnologia", afirma.
Para ele, seria preciso ter um período de transição para que os produtos em estoque fossem usados e para que o setor pudesse encontrar alternativas ao fipronil.
O diretor diz ainda que, quando aplicado corretamente, os danos do fipronil são minimizados: "O produto fica aderido na semente, né? Então, quando é semeada, ela é colocada dentro do solo, ela é coberta e não tem contato com abelhas", diz.
Para Araújo, o fipronil acabou sendo "vilanizado" pela facilidade de ser diagnosticado nas mortes das abelhas, mas que o real culpado é a aplicação errada dos produtos. Ele ressalta ainda a importância da tecnologia desta molécula para controle de insetos, como os cupins e formigas.
Tanto para o pesquisador da Unesp Malaspina quanto para o diretor de Defensivos Químicos na CropLife, Araújo, o primeiro passo é o uso correto dos agrotóxicos, para evitar que as abelhas tenham contato com eles e morram.
Uma das formas de se fazer isso, por exemplo, é priorizar aplicações no final da tarde e à noite, quando elas não estão colhendo o pólen.
Outra atitude importante é que o apicultor e o agricultor tenham uma boa relação, deste modo ambos combinam os dias de aplicação dos agrotóxicos, podendo existir uma programação para as abelhas ficarem retidas em suas caixas e seguras.
Além do uso de agrotóxicos, Melaspina ressalta a importância dos defensivos biológicos no combate às pragas nas lavouras, diminuindo o uso de produtos tóxicos às abelhas.
"Já existe técnica e conhecimento científico disponível para que as pessoas consigam promover a convivência harmônica entre agricultura e apicultura", afirma Araújo.
Matéria originalmente publicada em: "Matador de abelhas" conheça o agrotóxico que sofreu restrições pelo Ibama
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